sábado, julho 11, 2009

Volte a sorrir

Depois de agredir meu estômago com dois belos e calóricos pedaços de pizza acompanhados de uma tampouco recomendável Coca-Cola em lata, procuro no balcão da padaria um singelo guardanapo para retirar o limbo gorduroso que fica sempre de lembrança nos arredores da boca. Até esse dia eu ainda acreditava que nem tudo era negócio, e que a verdadeira felicidade nunca estivera ao alcance do dinheiro. Para minha surpresa, entretanto, vejo no inocente guardanapo o anúncio de uma empresa de implante dentário. De súbito me dou conta do mesmo serviço sendo oferecido durante a programação das mesas-redondas que debatem nosso futebol e nos programas da tarde, esses voltados mais para as mulheres, embora em ambos, o que de fato interessa aos anunciantes, é a baixa posição em que a grande maioria da audiência desse tipo de entretenimento se encontra. E há lugar mais formidável para anunciar um serviço como esse do que um pedaço de papel cuja única utilidade é limpar a boca que, no caso de milhões de brasileiros e brasileiras, esconde sequer alguns poucos dentes que ainda restaram inteiros? Certamente a parte mais sedutora do anúncio é a promessa de que o implante trará de volta ao bangela o sorriso durante anos reprimido e aprisionado dentro da boca. Nisso não lhe condeno, porque já julguei como infeliz quem não sorria apenas por vergonha. Aí me pergunto quantos dentes tem que ter um sorriso para ser de felicidade e se realmente basta a alguém sorrir para ser feliz. Mas para o alívio dos desdentados - e ao contrário do que eu pensava - até felicidade o dinheiro compra.

sábado, junho 27, 2009

Às vezes comparo minha vida àquele número circense em que um sujeito qualquer equilibra vários pratos que rodam sobre os espetos. Os pratos vão perdendo velocidade e para não se quebrarem no chão precisam que o infeliz aflito esteja sempre lhes dando impulso - mas há dez pratos para equilibrar, e enquanto ele sequer alcançou o décimo o primeiro já dá sinais de socorro. Assim é em mim e não creio que haja quem escape. Há em cada prato meu um pedaço de mim que é meu dever manter em equilíbrio.

domingo, junho 21, 2009

Sempre depois das três eu paro um pouco o serviço e tomo um café. Tem dias que vai frio mesmo - nossa garrafa térmica, de fabricação duvidosa, não sustenta quente o café por muito tempo; se fosse numa cafeteira automática, dessas de empresa grande, a dose nunca sairia fria. Mas trabalho agora numa repartição pública do município - e cafeteira automática por aqui é um luxo proibido, uma injúria em relação ao resto. Trabalhei em empresa grande, também. Aí quem ofende é a garrafa térmica - e como tudo naquele lugar tinha que parecer moderno, a cafeteira automática de certa forma é uma necessidade. O ruim era para as pessoas, que na maioria do tempo tinham também que parecer modernas, pelo menos por fora, e por isso se vestiam mais ou menos de forma igual, como se fossem modernas cafeteiras automáticas em vez de garrafas térmicas com café de ontem.

domingo, junho 14, 2009

Na medida do possível eu tento sempre ser o fruto das minhas mudanças. E acho que quando o questionamento definitivamente dá lugar ao conformismo, é que amadurecemos demais, e tudo que amadurece demais apodrece.

quarta-feira, abril 08, 2009

Semanas atrás dei um pulo no supermercado. Minhas compras não ultrapassaram o volume que me garante o caixa-rápido. Aguardava minha vez na fila quando bati o olho nas revistas semanais que ao mesmo tempo formam uma espécie de corredor de espera. Uma delas dava na capa a reportagem sobre o deputado acusado de erguer um castelo com verba suspeita. O senhor na minha frente não se conteve: "Dá pra confiar num cara desse?"
Logo em seguida - num sincronismo orquestral - toda a clientela ali próxima se deu conta de que a quantidade de compras daquele senhor era visivelmente muito maior que a permitida. A princípio, ninguém abriu a boca - tampouco a esposa e a filha que o acompanhavam; e por isso mesmo nunca saberei se por parte delas houve incentivo, ou se, mesmo contrárias àquele mau exemplo, se calaram em prova de lealdade, dando mostra de que as grandes virtudes servem também aos piores propósitos.
Eu já divagava sobre o futuro da humanidade quando a senhorita do caixa, no cumprimento do seu dever, me trouxe de volta à realidade: "Nota fiscal Paulista, senhor?" Respondi que não. Digitei a senha, guardei no bolso o recibo e saí pensando em quem podia confiar.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Chega de Saudade!
Durante um certo tempo, Magoo, ilustre amigo meu, foi um desses brasileiros que partem da terra natal em busca da sorte grande numa paisagem desconhecida. Fez as malas após meses sem conseguir nada por aqui e foi ser hóspede na casa de um parente distante que lhe oferecera temporariamente um cômodo nos fundos até que conseguisse trabalho e um novo lugar pra morar.
Nem um mês depois encontrei-o por acaso numa das ruas do bairro. Eram quase seis da tarde de uma quinta-feira. Tinha arrumado um emprego aqui e estava de volta. A empresa fica do outro lado da cidade e o salário é pouco para maiores luxos, mas Magoo não escondia a felicidade de retornar às origens. "Pelo menos tô na vila de novo...", ponderava.
Camões chorou os versos de Lusíadas quando da nau viu longe Portugal. Mas é verdade também que a dor da distância é menor se a travessia no fim é sempre o caminho do lar. Me resta apenas saber agora se Magoo sofrerá nos congestionamentos o que Camões sofreu na imensidão dos mares.



sexta-feira, janeiro 16, 2009

Pelo menos é honesto
Por ter aproximadamente quarenta minutos de tempo livre no horário do almoço, todos os dias depois da refeição eu pego o carro e me dirijo até o boteco de sempre para comprar o cigarro solto que eu fumo ouvindo as músicas que saem da Jukebox. Fumo avulso para me sentir menos dependente, porque se tenho o maço todo por perto fico mais próximo do vício. Além das canções a radiola exibe também pequenos vídeos que à primeira vista parecem não ter relação alguma entre si, mas se vistos repetidas vezes nota-se que há em todos alguma forma de violência. Assisti pela primeira vez Muhammad Ali cair num desses vídeos. Nunca mais me esqueço disso, porque desde que me interesso por boxe sempre me perguntei se ele já havia caído em combate. Todo mundo cai um dia.
Há três dias a luzinha de bateria acesa no painel do carro indica haver algum problema que eu vinha negligenciando e que já havia decidido resolvê-lo no fim de semana. Na quinta-feira - como manda o ritual - terminei minha refeição e segui rumo ao boteco. Logo depois de estacionar vi uma placa presa no poste em frente que anunciava: "CASA DE BATERIAS HUMAITÁ". Tratei o anúncio como se fosse um desses sinais sobrenaturais, enviados com destinatário certo, que certas vezes tememos ignorar. Minutos depois o diagnóstico do funcionário: "É o alternador. Leva ali no Mosquito que ele dá uma olhada". Imaginei pelo apelido um esqueleto frágil incapaz de qualquer tarefa que exija o mínimo de força física. Por desconfiança eu quis um parecer quanto às aptidões do Mosquito no que diz respeito ao cumprimento do seu ofício, mesmo sabendo de antemão que o rapaz se pronunciaria a favor da sua indicação apesar de qualquer evidência que justificasse alguma suspeita.
Mas a verdade, entretanto, é que em certas ocasiões às vezes um consolo vale mais do que um diploma empoeirado pregado na parede. "Ele é bom?", perguntei. "Ah, é honesto, pelo menos."

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Vingança não trás mudança.

domingo, novembro 30, 2008

Diabo: Precisamos conversar...
Deus: Não pode ser outro dia? Ando muito ocupado ultimamente...
Diabo: Prometo ser breve.
Deus: Promessa é coisa de humano - entre nós não há dívidas.
Diabo: Força do hábito...
Deus: O que é dessa vez?
Diabo: Justamente os humanos - facilitam demais meu trabalho; me sinto pouco importante.
Deus: Nada serve pra você? - vive reclamando...
Diabo: As coisas mudaram muito - o senhor tem visto... Em outros tempos minha presença impunha respeito; eu suava a camisa. Que saudade da Idade Média! Mas agora, salvas as exceções, ninguém luta mais contra o próprio fim. Preciso de mais poder - a rotina, o vício, a guerra não perturbam mais os homens.
Deus: Mais poder? Já te dei todo o mal que há na Terra e vem você me dizer que ainda não é o suficiente... Eu sei o que você quer! Você quer tomar o meu lugar!
Diabo: Jamais, senhor! Meu maior desejo é servir apenas a ti e à tua obra.
Deus: Seja objetivo...
Diabo: Eu quero a Morte, senhor.
Deus: Imaginei...
Diabo: Pois se até a morte é devida a ti que importância terei? Mas se me desses a Morte, os homens, que já temem minha fama, lutariam com todas as forças contra o fim, pois saberiam que lá fatalmente me encontrariam.
Deus: Tua fama, de fato, vai longe... Mas, afinal, quem seria o porta-voz da mudança?
Diabo: Ora, como quem? A Igreja!
Deus: Oh, a Igreja! Sempre me esqueço dela!
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quarta-feira, novembro 05, 2008

Minha mãe às vezes perde a paciência: - " Você não vai acordar pra vida?" Acredito que eu já tenha acordado... O problema é levantar.

quarta-feira, outubro 01, 2008

Onde há somente tapas e socos como linguagem, o meio de comunicação é a guerra.

sábado, agosto 16, 2008

Se o Papa for à África e declarar que agora a Igreja é contra a camisinha, ele volta pro Vaticano de algema e camburão.

domingo, agosto 10, 2008

(Domingo à noite no MSN)

Mauze: - Não bebi uma gota de cerveja esse fim-de-semana!
Camilo: - Por isso que eu não te vi...

(Pausa)

Mauze: - Acho que me tornei refém dos meus amigos bêbados...
Camilo: - Dos seus amigos bêbados ou da cachaça?
Mauze: - Durante a semana eu nem bebo... não sou alcólatra. E o alcólatra só bebe sozinho...
Camilo: - De fato...
Mauze: - Eu nunca bebo sozinho. E outra: só tomo cerveja. De vez em quando, muito esporadicamente, é que eu saio pra tomar um whisk.
Camilo: - Menos mal...
Mauze: - Não é a dependência do álcool o problema... o problema é a dependência dos amigos. Largá-los que é o mais difícil.
Camilo: - Complicado. Mas mesmo assim, entre os dois, sem dúvida os amigos. Com certeza a melhor escolha.
Mauze: - Melhor ou a menos pior?
Camilo: - Não sei... dos males o menor.

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quarta-feira, julho 30, 2008

Para o legítimo torcedor, entre uma partida da segundona e uma final de Copa do Mundo, a única diferença é o preço do ingresso. Mas quando ele gira a catraca, pouco lhe importa a grandeza ou a importância de seu time. Torcerá sempre com a cegueira e com o despudor dos apaixonados.

segunda-feira, julho 21, 2008

As FARC destruíram milhares de vida em troca de quase nada... Gandhi libertou a Índia sem dar sequer um pontapé. O que me aflige, sobretudo, é que nos dois casos agiu-se em nome da Revolução.

sábado, junho 21, 2008

Tenho pensado muito sobre o trânsito. Ano após ano as montadoras batem recorde. Financiamento de noventa meses! Até professor da rede pública tem carro zero... Não vai demorar muito para o trânsito virar promessa de campanha. O candidato que prometer a solução menos mentirosa, ganha. Olhador de carro vai ter sindicato e carteira assinada.
A única coisa que eu esperava não me ocorrer no trânsito era ser fechado por uma carroça. Não falo ironicamente, como o nosso ex-presidente Collor de Melo quando se referiu à precariedade da frota nacional. No meu caso, tratava-se de uma verdadeira carroça movida a cavalo. Passado o susto, porém, um reflexão se impôs. Houve ali um paradoxo, um anacronismo... Aquela carroça não pertence mais a este mundo. É um peixe fora d'água. Provavelmente o maior símbolo de um estágio evolutivo que acreditamos ter superado na urbanização. Nada mais anti-urbano do que um veículo movido a cavalo. Nada mais medieval do que a carroça.
Sobretudo nessas horas que eu penso no Brasil... Há milhões de brasileiros condenados a viver na Idade Média. Milhões de brasileiros que em carroças correm atrás do progresso.

sábado, maio 31, 2008

Estou de malas prontas rumo às cavernas. Nada como o doce lar!
Eu sugiro que o brasileiro pague o alto preço do progresso em suaves prestações. À vista ninguém aguentaria. Seria sacrificante demais ter que da noite pro dia descartar nosso "jeitinho". Tem que ser aos pouquinhos. O progresso exige um preparo, um esforço, um abrir-mão que para revestirem o espírito de um povo precisam de tempo. Lembremos que formamos um país onde o mau exemplo é uma necessidade. Mesmo àqueles dispostos ao sacrifício não há ainda espaço para bons exemplos. Devemos grande parte do "nosso" desenvolvimento à "boa vontade" das grandes potências. Ficamos à mercê do acaso, esperando que a conveniência convença o Primeiro Mundo a trazer pra cá mais um pouquinho de progresso enlatado.
No entanto me pergunto como seria se um dia acordássemos em solo desenvolvido... Quinhentos anos no escuro e de repente alguém acende a luz! Decerto queimaríamos a vista...

domingo, maio 11, 2008

Deu-lhe prazer ter nas mãos o destino de outra vida, pois sobre a sua, de certo, só havia o incerto. Sabia que se tratava de um prazer sujo, sobretudo proibido, mas assim mesmo quis prolongar um pouco mais a agonia do homem. Não o deixaria morrer... Queria somente olhá-lo cravado na lama, clamando-lhe ajuda. Devagar, tirou fora um cigarro, pilou três vezes nas costas da mão e pôs fogo. Fumaria inteiro antes de tomar qualquer providência. Não tinha pressa nenhuma. Tragava longo e forte, sem culpa, assistindo o homem sendo aos poucos devorado pelo lamaçal.

sábado, maio 03, 2008

Meu nome pouco importa. Estou perto dos trinta anos e começo a não me sentir mais jovem. Fisicamente ainda não encontro grandes limites, mas tenho percebido meu corpo cobrar mais minha atenção. Há cinco meses moro sozinho. Depois da separação dos meus pais decidi alugar os fundos de uma casa numa região mais barata da cidade. Faço bicos pra conseguir pagar o aluguel e o resto das contas. O dinheiro que ganho com a minha atividade principal é na maioria das vezes insuficiente. Desde que escolhi pintar como profissão, tenho passado por grandes dificuldades. A irregularidade do meu trabalho é a principal causa. Há dias que sequer pinto um quadro. Me salva sempre ter algum guardado que depois de vendido me garante mais algumas horas de sobrevivência... E assim vou levando. Ontem, porém, me pus frente à tela - e por acidente borrei a pintura. Por alguns segundos permaneci ali, sentado, com os olhos fixos na moldura manchada. Foi nessa hora que me vi, borrado por incertezas, diante do espelho. Estava pronto meu primeiro auto-retrato.