sábado, maio 31, 2008

Estou de malas prontas rumo às cavernas. Nada como o doce lar!
Eu sugiro que o brasileiro pague o alto preço do progresso em suaves prestações. À vista ninguém aguentaria. Seria sacrificante demais ter que da noite pro dia descartar nosso "jeitinho". Tem que ser aos pouquinhos. O progresso exige um preparo, um esforço, um abrir-mão que para revestirem o espírito de um povo precisam de tempo. Lembremos que formamos um país onde o mau exemplo é uma necessidade. Mesmo àqueles dispostos ao sacrifício não há ainda espaço para bons exemplos. Devemos grande parte do "nosso" desenvolvimento à "boa vontade" das grandes potências. Ficamos à mercê do acaso, esperando que a conveniência convença o Primeiro Mundo a trazer pra cá mais um pouquinho de progresso enlatado.
No entanto me pergunto como seria se um dia acordássemos em solo desenvolvido... Quinhentos anos no escuro e de repente alguém acende a luz! Decerto queimaríamos a vista...

domingo, maio 11, 2008

Deu-lhe prazer ter nas mãos o destino de outra vida, pois sobre a sua, de certo, só havia o incerto. Sabia que se tratava de um prazer sujo, sobretudo proibido, mas assim mesmo quis prolongar um pouco mais a agonia do homem. Não o deixaria morrer... Queria somente olhá-lo cravado na lama, clamando-lhe ajuda. Devagar, tirou fora um cigarro, pilou três vezes nas costas da mão e pôs fogo. Fumaria inteiro antes de tomar qualquer providência. Não tinha pressa nenhuma. Tragava longo e forte, sem culpa, assistindo o homem sendo aos poucos devorado pelo lamaçal.

sábado, maio 03, 2008

Meu nome pouco importa. Estou perto dos trinta anos e começo a não me sentir mais jovem. Fisicamente ainda não encontro grandes limites, mas tenho percebido meu corpo cobrar mais minha atenção. Há cinco meses moro sozinho. Depois da separação dos meus pais decidi alugar os fundos de uma casa numa região mais barata da cidade. Faço bicos pra conseguir pagar o aluguel e o resto das contas. O dinheiro que ganho com a minha atividade principal é na maioria das vezes insuficiente. Desde que escolhi pintar como profissão, tenho passado por grandes dificuldades. A irregularidade do meu trabalho é a principal causa. Há dias que sequer pinto um quadro. Me salva sempre ter algum guardado que depois de vendido me garante mais algumas horas de sobrevivência... E assim vou levando. Ontem, porém, me pus frente à tela - e por acidente borrei a pintura. Por alguns segundos permaneci ali, sentado, com os olhos fixos na moldura manchada. Foi nessa hora que me vi, borrado por incertezas, diante do espelho. Estava pronto meu primeiro auto-retrato.

terça-feira, abril 29, 2008

Descobri por intermédio de um conhecido, que o cara que tosa o meu vira-lata tocava numa das bandas mais conhecidas do movimento punk. Na hora foi impossível não imaginá-lo dando banho naqueles cachorrinhos de madame. Nada mais anti-punk que cachorro de madame. Pura vingança da burguesia. E tudo culpa da sobrevivência... que leva o homem às mais amargas e indigestas contradições.

domingo, abril 27, 2008

Todo dia à noitinha, pouquinho antes das sete, uma mulher da minha rua leva dois poodles pra passear. Talvez nunca eu teria me dado conta disso se não fosse por um detalhe no mínimo repugnante. A mulher usa um lençinho pra limpar o cu dos cachorros depois que eles cagam. Na primeira vez que eu testemunhei essa bizarrice, consegui sentir apenas o espanto que qualquer absurdo causa e nada mais. Não são todos os dias que os poodles cagam exatamente na hora que eu passo, mas como os nossos horários quase sempre coincidem, as chances não são tão remotas. Na segunda vez, aquilo começou a embrulhar meu estômago. Na terceira ficou insuportável. Me agredia aquela mulher repetindo um gesto tão nojento como se fosse exemplo de higiene. Na hora eu sempre penso: "Grã-fina de apartamento. Limpa o cu do cachorro mas deixa a merda na rua". Decidi mudar de calçada... pelo menos naquele trecho.

quarta-feira, abril 23, 2008

o ódio, o tempo leva
o perdão, o tempo trás
a saudade, o tempo deixa

domingo, abril 20, 2008

Diante da mediocridade só nos resta a solidão.

terça-feira, abril 15, 2008

Diante do espelho ninguém é inocente.

segunda-feira, abril 14, 2008

Amargo
Me espremo
Me sirvo
Engasgo

sábado, abril 12, 2008

Cúmplice
Embora chamasse mais atenção o que se encontrava debaixo das roupas, não pude deixar de observar primeiro como estava vestida. Coincidiu naquela tarde sairmos na mesma hora. Talvez nem passasse das quatro. Retribuí, tímido, o sorriso que ela propôs pra me cumprimentar. Sem que percebessem, olhei com mais atenção aquela mulher que se distanciava, como se eu procurasse confirmar nela alguma suspeita. Novamente pensei nas roupas, sobretudo porque não me pareceu terem sido escolhidas casualmente. Vi que revelavam um propósito, uma intenção que achei não estar de acordo com aquela hora do dia.
Também fez que crescesse minha desconfiança ter podido sentir de longe o perfume que ela usava. Poucas vezes me lembro de ter sentido um corpo tão perfumado. Tentei ainda imaginar o que poderia merecer e justificar tanto capricho.

terça-feira, abril 08, 2008

Curta Viagem
Muitos com cuja bravura diziam aplacar a fúria dos mares
Na primeira tempestade tremeram como donzelas
E com nada além do medo da cabeça aos calcanhares
Saltaram sem que a água passasse das canelas.

domingo, abril 06, 2008

Entre

Não esperava ninguém quando ouvi baterem na porta. Antes ainda de ir ver quem me procurava, me perguntei se dias antes havia marcado esse encontro e me esquecera. Vi que não quando atendi. Eram eles novamente.
Lembro-me que no começo avisavam com antecedência quando viriam, e embora houvesse dias em que me encontrava indisposto, pelo menos estando ciente da visita eu teria tempo de me preparar. Agora, passados os anos, se sentem como se fossem de casa. São daqueles que chegam sem avisar e entram sem bater, ainda mais se sabem que pode ter alguém.
Confesso que durante um certo tempo me incomodou essa aproximação, essa presença íntima. Me sentia flagrado, invadido. Era ainda pior nos dias que se esqueciam da hora. Muitas vezes, já farto daquelas companhias, era obrigado a expulsá-los no meio da noite, o que entretanto nunca impediu que voltassem no dia seguinte. Falo dos meus fantasmas.
Pelo que pretendiam, me pareceu inadequado terem eles se apresentado pela primeira vez com tão desenvergonhada ironia. Imaginei que fosse piada. Ninguém espera receber visitas dos próprios fantasmas. Ninguém, por mais duro que seja, está preparado para os próprios fantasmas. Comigo não foi diferente. Neguei abrir. Nessa hora lembro ter sentido neles um certo prazer, que possivelmente já haviam previsto e imaginado, quando na minha reação ficara claro o meu constrangimento diante daquele episódio. Disse que se voltassem seria para perder tempo porque não me encontrariam. Responderam, antes de partir, que o tempo era o único e inevitável caminho para aquele encontro.

sábado, abril 05, 2008

$aldo Negativo

Tem dias que eu só tenho as horas pra gastar.

terça-feira, abril 01, 2008

Aquela mão que sequer um real tira do bolso
ainda pode algum dia te tirar do fundo do poço.

sexta-feira, março 28, 2008

Tudo que amadurece demais apodrece.

quarta-feira, março 26, 2008

Nosso imediatismo e nossa impaciência quanto às soluções que nos tirariam do atraso, dão a impressão de estarmos há muito tempo prontos para o progresso. Será isso mesmo? E se um dia, nós, brasileiros, por passe de mágica, dormíssemos e acordássemos no Primeiro Mundo? Abriríamos os olhos e lá estaria diante de nós o tão sonhado desenvolvimento; tudo certinho, limpinho, no horário...
Toda essa pressa e desespero indicam que já nos "curamos" de tantos anos vividos no atraso, e finalmente estamos preparados para suportar tão pesada responsabilidade? Ou teremos nascido para o Terceiro Mundo? Será nossa indiferença tão natural quanto nosso bronzeado, como se fosse algo definitivamente herdado?

segunda-feira, março 24, 2008

Tenho quase certeza que viverei até o último dia da minha vida sendo sempre um cidadão do Terceiro Mundo. Meus direitos e meus deveres me trarão sempre o rótulo do subdesenvolvimento. Talvez eu ainda ponha os pés lá no hemisfério norte pelo menos pra testemunhar e sentir o gostinho do progresso. Mas nunca estarei "em casa" no Primeiro Mundo. Nunca falarei o português daqui como língua oficial de um país de Primeiro Mundo. Me sentiria sempre um estranho, um intruso ou mão-de-obra para serviços desqualificados se tivesse decidido viver acima da linha do Equador.

terça-feira, março 18, 2008

Como é pequeno e modesto o nosso querer! Nascemos cheios de vontade e morremos apenas com as marcas da sobrevivência. E são tantas, que já nem deixam espaço para nossos mais nobres desejos. O pouco que sobra é o nosso pão e circo, nossa ração espiritual. É tudo aquilo que nos faz reféns do supérfluo e inimigos do necessário.
E a vida em sociedade? Terá sido acidente, conquista ou necessidade?